Entende-se por doença ocupacional, de forma simplificada, a doença produzida ou desencadeada no exercício da função e que guarde nexo de causalidade com a atividade exercida. Equivale ao acidente de trabalho para todos os fins, recebendo tratamento idêntico quanto às regras para concessão de benefícios pelo INSS, afastamento da atividade, período de estabilidade, etc.
Certamente o acidente de trabalho/doença ocupacional é uma grande preocupação de todas as empresas, pois além da preocupação com a pessoa em si, a lesão causada à integridade física do funcionário, assim como à integridade psicológica (Depressão, Síndromes de Burnout, entre tantas outras), traz consigo não só o afastamento do empregado de seu posto de trabalho, mas também o risco de indenizações futuras, tais como a indenização por dano moral, pensão vitalícia, estética, existencial, etc.
Isso sem falar na possibilidade, pouco ainda praticada, da ação de regresso do INSS, prevista nos arts 120 e 121 da Lei 8.213/91, contra a empresa culpada pelo acidente de trabalho ou doença ocupacional, requerendo pelas vias judiciais o ressarcimento dos benefícios pagos ao funcionário acidentado/adoentado. Imagine este quadro quando se tratar de doença ocupacional e/ou acidente de trabalho que gera incapacidade permanente, parcial ou total, impossibilitando o funcionário de se reativar em seu posto nas mesmas condições anteriormente tidas. Ou pior, quando o acidente ou a doença gera a morte do funcionário.
Em razão disso, as empresas devem ter preocupação máxima voltada a tudo o que envolve o tema Medicina e Segurança do Trabalho, uma vez que os prejuízos podem tomar grandes proporções. A CLT já prevê em seu art 157, inc II, a obrigatoriedade das empresas em instruir os seus empregados, utilizando-se de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de se evitar acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais.
O meio ambiente do trabalho, está previsto na Constituição em seus artigos 1º, inc III e IV, art 6º, 7º, inc XXII, XXIII, XXVIII e XXXIII, art 200, inc VIII e art. 225 (a saúde como bem ambiental, nos Tratados Internacionais, quais sejam, Convenções da Organização Internacional do Trabalho 148, 155, 161 e 170, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Lei 6.514/77 e Portaria 3.214/78 e Normas Regulamentares, que em regra geral se relacionam aos direitos humanos, notadamente o direito à vida, à segurança e à saúde, superando limitação da concepção juslaboralista, tão somente, ao campo da medicina, higiene e segurança no trabalho.
Recentemente, dentre as medidas adotadas para enfrentamento ao coronavírus, a Medida Provisória 927, em seu artigo art. 29, previa que “os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.
Conforme se verifica do texto legal, não estava descartada a hipótese de ser considerada a COVID-19 como doença ocupacional, caso comprovado o nexo causal entre o contágio e a atividade laboral, sendo a comprovação do nexo causal uma regra aplicada e necessária à caracterização de todo e qualquer acidente de trabalho ou doença ocupacional. A exemplo, entendo que o contagio durante a transferência do empregado por ordem de seu empregador, para o labor em local diverso, onde se verifica o contagio da doença seria um fator de risco e exposição do empregado, implicando assim em culpa do empregador.
No entanto, em sede de decisão liminar concedida em julgamento a sete ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas por partidos políticos, p Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu pela possibilidade de caracterização da Covid-19 como doença ocupacional, independente da comprovação de nexo causal, o que acabou por afastar a eficácia do art. 29 da Medida Provisória 927 de março de 2020.
Com esta decisão, o STF seguiu na contramão do que se entendia por requisitos básicos da comprovação da ocorrência de doença ocupacional, abrindo uma janela de exceção e pior, em um cenário pandêmico, onde o coronavírus, agente causador da Covid-19 se encontra em todo e qualquer lugar.
A decisão desconsidera a possibilidade de ter o funcionário adquirido a doença em casa com algum familiar contaminado pelo vírus, descartou a hipótese de ter o funcionário deixado de tomar as medidas de prevenção fora da empresa, por exemplo. A ausência de comprovação do nexo causal fragiliza a empresa, mesmo aquelas que tomaram atitudes exemplares na proteção aos seus funcionários, especialmente, empresas que desenvolvem atividade essencial (Decreto 10.282/20) e que não tiveram suas atividades paralisadas.
É bem verdade que há ambientes de trabalho em que o risco de contágio é evidente em razão de sua própria atividade, tais como farmácias, hospitais, etc. No entanto, para este trabalhador, facilmente se evidenciaria também, o nexo causal.
O próprio parecer do Ministro Barroso destacou que para a maior parte das pessoas que desafortunadamente contraiu a doença não é capaz de dizer com precisão onde e em que circunstâncias adquiriram. Logo, se era possível a caracterização de doença ocupacional com a demonstração do nexo causal através do tipo de atividade exercida, demonstração do número e do contato com pessoas infectadas no ambiente, etc, a princípio não haveria razão de retirada da eficácia do artigo 29, que por sua vez não deixava o trabalhador desprotegido, mas apenas lhe exigia o que se exige para a comprovação de todo acidente de trabalho ou doença ocupacional.
Se alguns afirmam que era inviável ao trabalhador o contato com o vírus no ambiente de trabalho, agora se tornou inviável também o oposto disso para o empregador que não tem sua atividade voltada à área farmacológica ou da saúde, por exemplo.
Diversos questionamentos podem ainda surgir com esta decisão. A rigor, se analisarmos a norma fria, considerando que a covid-19 não exige comprovação de nexo causal para a sua caracterização como doença ocupacional, poderíamos facilmente entender que mesmo os trabalhadores em home-office estariam abrangidos pela possibilidade. E ainda, vale perguntar se haverá impacto no Fator Acidentário Previdenciário (FAP) para as empresas diante do alto índice de contágio?
E se a doença, uma vez considerada ocupacional, gera a morte do funcionário? Qual será o tamanho do prejuízo que deverão arcar as empresas com indenizações às famílias que perderam seus entes?
Raramente situações como essas não são levadas às vias judiciais, com significativos pedidos indenizatórios. O empregador se verá totalmente desamparado em sua defesa, dada a desnecessidade de comprovação do nexo causal. A decisão trouxe a responsabilidade objetiva da empresa diante de cenário de pandemia, decorrente de um vírus altamente contagioso, resistente e agressivo, que poderá ser encontrado em absolutamente todos os lugares.
Certamente, os cuidados tomados no campo da Saúde e Segurança do Trabalho deverão ser revistos e redobrados. Se já o foram quando do início da pandemia, agora deverão ser ainda mais. Se a empresa já deveria agir com rigor no cumprimento das normas regulamentadoras que regem a matéria, agora deverão estar ainda mais atentas, valendo aqui destacar a obrigação do empregador ao fornecimento, instrução e fiscalização do uso de Equipamentos de Proteção Individuais e Coletivos, se fazendo valer das punições legalmente previstas no caso de desrespeito das regras pelo empregado devidamente instruído (advertência, suspensão e demissão por justa causa).
Vale dizer que diante do quadro que enfrentamos, máscaras, álcool gel, sabonetes, etc, são sem dúvida Equipamentos de Proteção e estão sujeitos à todas as regras de fornecimento, instrução, utilização e fiscalização, respondendo o empregador, assim como o empregado, pelo não cumprimento às regras de uso e suas decorrentes obrigações.
Com o novo entendimento do STF, o momento exige das empresas atenção ainda maior quanto aos meios de proteção do funcionário no ambiente de trabalho como meio de enfrentamento à Covid-19 e suas consequências, as quais não se restringem aos cuidados com a saúde das pessoas, mas também à tentativa de prevenção a passivos trabalhistas futuros.